sexta-feira, 26 de novembro de 2010

 A onda de violência armada que está a atingir o Rio de Janeiro, desde o fim-de-semana, não terminou com a batalha que quinta-feira opôs a polícia aos traficantes na favela de Vila Cruzeiro. Pelo menos cinco novos ataques registaram-se durante a madrugada, horas depois de a polícia ter anunciado que tinha controlado o bairro da lata com o apoio de blindados da Marinha. Em cinco dias de confrontos terão morrido quase 30 pessoas.

 

Desde Domingo que o Rio de Janeiro vive uma onda de violência, alegadamente instigada por bandos criminosos.

Arrastões, veículos queimados e ataques às forças policiais multiplicaram-se quando os traficantes, que dominam as favelas da cidade, decidiram passar à ofensiva contra as autoridades.

Dezenas de autocarros e automóveis foram incendiados e inúmeros automobilistas assaltados. Várias esquadras foram alvejadas a tiro.

Comparação com Timor-LesteEm resposta, a polícia mobilizou mais de 21 mil agentes. O porta-voz da Polícia Militar do Rio refere que são em muito maior número do que os necessários para pacificar Timor-Leste.

“Participei três anos nas Nações Unidas e foram necessários 12 mil homens para pacificar o país inteiro (Timor-Leste)”, afirmou o coronel Lima Castro, sublinhando que quase o dobro desses efectivos estão mobilizados para conter a onda de crimes na cidade e actuar nas favelas.

De acordo com Lima Castro, desde o último Domingo foram incendiados 96 veículos, apreendidas 44 armas de fogo e oito granadas, além de grande quantidade de drogas e material inflamável.

A Polícia Militar confirma que, até ao momento, morreram 26 pessoas, na sua maioria traficantes e membros de gangues. Três polícias ficaram feridos.

No entanto, e como quase sempre nestes casos, há também mortes “civis”, que incluem uma rapariga de 14 anos e uma senhora de 62 anos.

Na quinta-feira, a situação atingiu um clímax quando a policia invadiu Vila Cruzeiro, uma favela com mais de 70.000 habitantes, onde os traficantes de droga se tinham vindo a concentrar depois de serem expulsos de outras áreas da cidade.

"Tropa de elite" invadiu favela 

O Batalhão de Operações especiais da Polícia Militar (BOPE) realizou uma grande operação com 150 homens da tropa de elite e outros 300 da polícia regular.

A operação contou com o apoio de blindados da marinha, chamados para este efeito por disporem de lagartas e não de rodas como o blindado do BOPE, o famoso “Caveirão”, cujos pneus foram furados pelos bandos.

No entanto, os efectivos da marinha não participaram directamente nos combates e não existem informações de terem sido usadas as armas pesadas dos veículos.

Ao fim da tarde de quinta-feira, a polícia anunciava o controle total da favela, após uma autêntica batalha que provocou pelo menos oito mortes entre os traficantes.

A operação foi seguida em directo pelas várias televisões brasileiras e muitos dos criminosos foram vistos a fugir, através de uma pedreira, em direcção ao complexo do Alemão, considerado a mais bem defendida praça-forte dos traficantes do Rio.

O apoio militar foi autorizado pelo Presidente do Brasil, para ajudar a polícia a manter o controle das áreas “conquistadas”. “Tudo o que pudermos fazer pelo Rio faremos”, disse Lula da Silva”. “Não é aceitável que 99 por cento de pessoas honestas e trabalhadoras que querem viver em paz sejam afectadas por grupos violentos”, acrescentou.

Militares prontos para a "guerra"Os soldados envolvidos no esforço de segurança são treinados na supressão de conflitos e serviram já no Haiti. Um porta-voz militar disse que outros dois batalhões de 800 homens cada poderão ser chamados, se necessário, nos próximos dias.

Ao longo desta sexta-feira a polícia estadual do Rio efectuou buscas porta-a-porta em Vila Cruzeiro, com o apoio de 80 agentes da polícia federal e sob a protecção dos militares.

As autoridades recusaram confirmar se iriam ou não invadir nas próximas horas o complexo do Alemão, ou se o fariam ao longo dos próximos seis meses, como estava inicialmente previsto.

O Alemão é composto por um complexo de 13 favelas, onde vivem cerca de 65.000 pessoas e onde são cometidos cerca de 40 por cento dos crimes do Rio de Janeiro.

O Brasil está a tentar limpar a cidade antes de esta receber o último jogo do Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Segundo o Governo do Rio, a onda de violência que invadiu a cidade desde o fim-de-semana seria uma reacção desesperada dos fora-da-lei à política das “Unidades da Polícia Pacificadora”, que passaram a ocupar os territórios antes dominados pelos traficantes.

Pobreza favorece traficantesAo longo dos últimos dois anos, as autoridades estabeleceram postos permanentes da polícia em 13 favelas, como parte de um esforço para levar serviços e saneamento básico às comunidades e quebrar o controle até agora exercido pelos bandos da droga, que se aproveitam das condições de pobreza geral para conseguir apoio.

Segundo um estudo oficial hoje tornado público, cerca de 11, 2 milhões de brasileiros, o equivalente a 5,8 por cento da população total, passaram fome no ano passado, por falta de recursos para adquirir alimentos. Mesmo assim trata-se de uma melhoria em relação a 2004, quando 8,2 por cento da população brasileira se encontrava naquela situação.

O mesmo estudo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, indicou que apenas 65,8 por cento dos brasileiros tiveram acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e quantidade suficiente durante 2009.